domingo, 18 de outubro de 2015

A águia e as galinhas



"Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro, a fim de mantê-lo cativo em casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. 

Colocou-o no galinheiro junto às galinhas. Cresceu como uma galinha. 

Depois de cinco anos, esse homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista.

Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista: 

- Esse pássaro aí não é uma galinha. É uma águia. 

- De fato, disse o homem.- É uma águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais águia. É uma galinha como as outras. 

- Não, retrucou o naturalista.- Ela é e será sempre uma águia. Este coração a fará um dia voar às alturas. 

- Não, insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia. 

Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e, desafiando-a, disse: 

- Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe! 

A águia ficou sentada sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. 

 O camponês comentou: 

- Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha! 

- Não, tornou a insistir o naturalista. - Ela é uma águia. E uma águia sempre será uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã. 

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. 

Sussurrou-lhe: 

- Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe! 

Mas, quando a águia viu lá embaixo as galinhas ciscando o chão, pulou e foi parar junto delas. 

O camponês sorriu e voltou a carga: 

- Eu havia lhe dito, ela virou galinha! 

- Não, respondeu firmemente o naturalista. - Ela é águia e possui sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar. 

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a  águia, levaram-na para o alto de uma montanha. O sol estava nascendo e 
dourava os picos das montanhas. 

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe: 

- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe! 

A águia olhou ao redor. Tremia, como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então, o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, de sorte que seus olhos pudessem se encher de claridade e ganhar as dimensões do vasto horizonte. 

Foi quando ela abriu suas potentes asas. 

Ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto e voar cada vez mais para o alto. 

Voou. E nunca mais retornou." 



Existem pessoas que nos fazem pensar como galinhas. E ainda até pensamos que somos efetivamente galinhas. Porém é preciso ser águia. Abrir as asas e voar. Voar como as águias. E jamais se contentar com os grãos que jogam aos pés para ciscar.”   



GALINHA

A galinha é medrosa / Olha sempre pra baixo / Não voa / É caça / Aceita comer restos e qualquer coisa / Não se preocupa em ficar presa / Constrói seu ninho no chão / Enxerga somente durante o dia / Aceita se relacionar com mais de um galo / Morre cabisbaixa


ÁGUIA

A águia é corajosa / Olha sempre para as alturas / Voa muito alto / É caçadora / Não se alimenta de nada em decomposição / Não aceita ficar presa, está acostumada com a liberdade / Constrói seu ninho nos penhascos / Enxerga durante o dia e à noite / Só aceita um macho durante toda a vida / Morre voando

Você já viu uma galinha d’agola? Com certeza sim, e você deve se lembrar do tumulto que ela causa quando alguém corre atrás dela, mesmo que seja uma criança. A pobre coitada dispara a correr, desnorteada e gritando: "Tô fraca, tô fraca, tô fraca…" Assim é a natureza da galinha: fraca e indefesa. Ela se sente ameaçada e com medo com muita facilidade. Agora eu te pergunto: "Existe alguma águia d’angola?" Não! Não existe águia medrosa e que se acovarda. A águia é conhecida pela sua coragem e força. Ela não foge à luta e não "entrega os pontos" diante das circunstâncias complicadas. Ela é o símbolo da liberdade, que não aceita ficar presa e por isso devemos nos comparar a ela. 


Extraído de artigo publicado pela Folha de São Paulo, por Leonardo Boff, teólogo, escritor e professor de ética da UERJ

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